21 de dezembro de 2014

As palavras que eu diria

Recentemente um amigo meu, dos antigos, passou por uma dor daquelas para as quais não há remédios: a perda de sua mãe. Não pude estar com ele nos momentos difíceis que se seguem a um acontecimento trágico como esse. Eu mesmo estava imerso em outra tragédia familiar quando tudo aconteceu. No entanto, fiquei pensando nas palavras que eu teria para dizer ao meu amigo, no afã de (será possível?) aliviar sua dor.
Ocorreu-me relembrar a esse amigo o significado daquilo que sua vida foi para sua mãe. Diria que seguramente sua mãe jamais teria desejado a inversão da ordem natural (é triste considerar, mas são os filhos que devem ver seus pais partirem, jamais o contrário!). Cumpriu-se, mesmo de forma antecipada, a ordem natural dos acontecimentos. Mas nós sabemos que essa constatação não basta. Eu prosseguiria então ressaltando que a sua mãe, a quem tive o privilégio pessoal de conhecer, teve a graça de ver que o filho fez o caminho mais difícil, que contrariou a logica do sistema desigual e construiu um percurso que lhe assegura condições melhores do que aquelas vividas por seus pais. E isso não é pouca coisa, definitivamente. Muitos sãos os pais que colocam no mundo filhos que serão "seguidores de sina", que reproduzirão nas suas vidas nada mais do que o reflexo da vida de seus pais, como uma maldição, um demônio familiar.
A mãe desse amigo não provou esse amargo: viu o filho alçar vôo e ganhar o horizonte. Escutou uma menina encantadora chamá-la de vovó... teve uma passagem em grande estilo.
Acontece que Deus não pode se privar de companhias como a dela, e houve por bem chamá-la de volta. Certamente os banquetes no céu ganharam em qualidade. Quem sabe se os anjos não ameaçavam uma nova rebelião e Deus, demonstrando a sabedoria que lhE atribuem, preferiu não pagar pra ver, livrando-se, assim, das consequências terríveis que esse tipo de motim costuma trazer (veja-se o que aconteceu da primeira vez!)? A imortalidade cristã talvez andasse ressentida de ver seus colegas olímpicos sempre de mesa farta, enquanto amargavam a frugalidade das refeições quase monacais! Certamente passarão melhor agora, o que seria perfeito se não nos tivessem deixado com essa baixa significativa. Ganham as divindades, perdem os homens.

20 de outubro de 2014

A lição de 1989

Em 1989, um "resumo" do debate da globo, apresentado no Jornal Nacional, favoreceu sensivelmente Collor, candidato pelo PRN, contra Lula, do PT. O caráter da emissora, já se sabe, não inspira confiança em um trabalho sério e imparcial. Sua convivência simbiótica com a ditadura militar (mas também civil e empresarial) já constitui um cartão de visitas às avessas. Essa tradição de fechar o ciclo de debates políticos é celebrada pela emissora, bem vista por determinado setor da sociedade e, com razão, receado pelos que estão atentos e sabem o quanto têm a perder com uma eleição marcha à ré.
Os escândalos que são alardeados em momento propício, os que são abafados e pintados de marrom, tudo isso constitui um modus operandi para lá de denunciado e, não obstante, sempre ativo. Uma ex-professora minha, da UFRuralRJ, especialista em história do Brasil, particularmente no que diz respeito aos militares no poder, comentou hoje em rede social que o Merval Pereira, diante do resultado que projeta Dilma como vencedora no segundo turno, destacou que o debate da Globo será importantíssimo. Com razão, Adriana Barreto considerou que, vindo dele, certamente a declaração possui tom ameaçador.
Particularmente, atribuo a liderança de Dilma nas últimas sondagens a uma militância feita com base na informação e no desmascaramento. Os mais novos, crianças ainda no período FHC, talvez não conhecessem mesmo o significado de uma candidatura do PSDB, que muito oportunamente o Aécio procura nublar, ao afirmar que não é mais um "candidato de um partido". Prefiro acreditar na inocência útil desses eleitores, para não me ver na triste contingência de classificar como mau caráter aquele tipo de pessoa que tripudia dos programas sociais levados a frente, contra a maré, pelo governo do PT. Para não falar do avanço inegável naquele setor da educação que compete ao governo federal: as universidades.
Essa defesa de um projeto de um país mais justo e com mais inclusão deve continuar e se fortalecer! Não nos contentemos como o resultado parcial! Não deixemos esmorecer a campanha! É preciso esclarecer os eleitores indecisos, porque eles ainda são uma esperança, já que não se contaminaram com o ódio disseminado pela mídia. É preciso esclarecer que a eleição do candidato que contabilizou como gasto em saúde até injeção para cavalo é, verdadeiramente, um cavalo de Tróia para a democracia brasileira.

Bruno S. Souza

P.S.: para quem quiser, deixo a sugestão do documentário "Muito além do cidadão Kane". Um trecho do filme, em que a manipulação eleitoral é tratada, pode ser assistido aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=raRHnmif7js#t=193

8 de outubro de 2014

Apoio Crítico

Há uma agremiação política fundamentalista que a história não nos conta e o jornalismo nos oculta. É a mais antiga do país, irreprimível, perene. É o PQPM, Partido do Quanto Pior Melhor. "É que a TV [o jornal do partido] me deixou burro demais, e agora todas as coisas que eu vejo me parecem iguais"
Você que conquistou uma bolsa de mestrado (e temos até o mestrado profissional, voltado parra os que já lecionam), que comprou Sua Casa, Sua Vida  [inteira pagando sua casa] - mas que, afinal, a tem -, que entrou na universidade pública pelo ENEM, que hoje, COM TUDO, come bem; que tem aumento anual do salário mínimo (alto demais, segundo economista do PSDB), vê as obras de transposição do Rio São Francisco... (apesar do obséquio), pare de dizer que NADA do que vê nas eleições veio! Deixe esse pretensioso purismo de esquerda de lado e se lembre do termo mágico que lhe salva nessas duras horas: APOIO CRÍTICO; critica apoiando, apoia criticando, CRITICAPOIA!
Salve sua consciência sem abrir mão das recentes conquistas, até porque, quanto mais obtemos, mais o que não temos nos salta aos olhos.
Se só a luta muda a vida, não nos esqueçamos da lição aprendida: são todas elas!

Quanto dá 26-13= Dilmais!

Walter Andrade

6 de outubro de 2014

O analfabeto funcional da política



















O pior analfabeto, diz o conhecido texto de Bertold Bretch, é o analfabeto político... acrescentaria que, ao lado dos que não se interessam pela política, estão os analfabetos funcionais da política. Inocentes úteis que papagaiam discursos de uma elite à qual não pertencem, mas da qual talvez almejem participar (e até, talvez, já se acreditem participantes), esse grupo numeroso de porta-vozes do retrocesso, que condenam socialmente movimentos sociais, que bradam gritos de uma pretensa moralidade política (que por alguma razão, ou desrazão, acreditam faltar ao PT e sobrar ao PSDB), representam um mal igual, senão maior, aos que (pensam que) não estão nem aí.
Você que estudou em faculdades particulares, porque o FHC, doutor em sociologia da USP, manteve e aprofundou o sucateamento das instituições públicas, além de nada fazer para ampliar e promover o acesso dos mais pobres a um ensino que, apesar de tudo, mantinha elevado grau de qualidade; você não tem motivos para trazer a velha lógica de volta (porque é disso que se trata a hoje tão apregoada alternância democrática, que conduz de volta ao pior, e desconsidera uma permanência legitimada pelo voto!).
Você que entrou na universidade pública, mesmo que oriundo de uma família em que os país não tiveram a oportunidade de, sequer, concluir o segundo grau, e que foi beneficiado por uma conjuntura de expansão e democratização do acesso ao ensino superior; você não tem justificativas para querer que o tempo da exclusão retorne.
Se você melhorou de vida no governo do PT, mas não quer a continuidade, faça-nos o favor de anular o seu voto, em vez de anular o futuro de muitos. Vá para Miami!

Bruno S. Souza
(Este texto expressa a opinião de seu autor, não necessariamente a de todos que escrevem para o blog)

17 de abril de 2014

Réquiem para Gabriel García Márquez

Fui recebido pela esposa, mal cruzada a soleira.
- Hoje você vai precisar tomar um trago. Seu escritor favorito morreu...
-Gabo?!
É véspera de Sexta Feira Santa: Quinta de Endoenças, último dia de missa antes da vigília pascoal. Gabriel García Márquez está morto e será preciso um copo cheio para engolir o passamento do santo ateu, exatamente como Jeremiah de Saint-Amour.
Sentei para jantar. Jantei. Fiquei pensando no Gabito, na minha vida e juventude, nos meus amigos.
Quando o Saramago se foi, alguém falou que o mundo havia ficado mais burro. Agora, não apenas está mais burro, como mais desprovido de fantasia e realismo. De realismo fantástico.
Parece que estamos, mais uma vez, à nossa própria sorte e miséria...

Bruno Silva

21 de dezembro de 2013

Relógios e calendários

Desconfio de relógios
Absolutamente, não confio em calendários
O tempo é matéria enganosa, fluida
Toda tentativa de sua exata medição é um fracasso
Quinze minutos de sono, quinze de engarrafamento:
Quem dirá que duram o mesmo?!
Assim com as horas, assim com os anos
Uns voam, outros se arrastam
Este 2013, para mim, não tem medida:
Foi longo porque cheio, breve porque acelerado
Mudei, casei, fui pai
Ao mesmo tempo fui filho, colega, amigo, genro...
Tantos papéis desempenhados, espaços ocupados
Fiquei uma década sem ver pessoas queridas
Pessoas que, até ontem, estavam ao lado
Como medir?
As vezes, dobrando uma esquina, virando um gole, ouvindo uma canção
Eu me transporto para outro tempo, fisicamente
Não é a memória, apenas: sou eu, lá
Calor ou frio, maresia ou vendaval
É meu corpo novamente, experimentando sensações antigas (atuais)
O tempo não existe da forma como supunhamos
Ou fiquei doido
Ou tive uma revelação

Bruno Silva

12 de dezembro de 2013

A enchente é um fenômeno político

Por que será que, ano após ano, as enchentes "surpreendem" as autoridades? A Rede Globo, por exemplo, começou a se tornar o que é graças à cobertura ao vivo que realizou sobre a fatídica enchente de 1966. De lá pra cá, entre dezembro e março sempre tem Natal, Inundação e Carnaval! 
Ninguém deveria se demonstrar surpreso com os cataclismos estivais! Tudo colabora para sua ocorrência: fatores meteorológicos, sócio-econômicos e, principalmente, políticos. A enchente é um fenômeno político: o sistema de drenagem insuficiente (ou sua não-existência), a ausência de políticas habitacionais, a vista grossa para o arrasamento da natureza pelas grandes empresas que destroem os rios (destruindo suas matas ciliares). Tudo isso está diretamente relacionado com o resultado que as urnas consagram. 
Do mesmo modo que a seca e sua miséria se explicam pela política, a enchente guarda esse parentesco, essa filiação, com a classe governante. Pode-se, sem muito esforço, culpar o morador das palafitas, das beiras dos valões, dos subúrbios esquecidos: vocês jogam lixo nas ruas, os bueiros entopem, o lixo volta para vocês, numa espécie de jogo cíclico perverso; mas a coleta de lixo, as políticas de ocupação da terra, as obras de infraestrutura a a correta fiscalização das atividades que degradam o meio ambiente, isso é atribuição dos governantes. 
Cada bueiro entupido significará, nas próximas chuvas veranis, algumas centenas de notas de real para bolsos que não são os nossos. Assim, a chuva significa uma grande oportunidade: será que todo o dinheiro que sai dos cofres federais rumo aos municípios chega ao seu destino? Será que o montante recebido pelos prefeitos é integralmente utilizado para a solução dos problemas? Será que o orçamento feito em situação de calamidade pública esconde algo? Muitas questões e uma saída emprestada do Riobaldo de Guimarães Rosa: "eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa."

O papel que se joga no chão tem culpa. O papel que não se cumpre, tem ainda mais.

Bruno Silva

24 de outubro de 2013

Nem na Ditadura...nem na ditadura?



"Nem na Ditadura se fez isso, nem na Ditadura se teve coragem de...".

A intenção aparente e profunda é, provavelmente, desnudar o autoritarismo de Cabral, Paes, mesmo da Dilma, pela via da comparação. Mas a ambiguidade...

É preciso a cautela do historiador aqui: entre 1964-1989 não existia celular, câmeras digitais, Mídia Ninja (!), muito menos a cinemania generalizada atual. "Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça" era coisa incipiente... Imagina-se então quantas arbitrariedades sem testemunhas ou provas...? (Imagine mesmo); a "facilidade" de se debater ideias, em público ou não? de se manifestar? (Se hoje os Black Bloc's se mascaram, os militantes de outrora faziam até cirurgias!). Prenderam manifestantes pacíficos na porta da Câmara e lançaram a lei de organização criminosa? No regime civil-militar prenderam todo mundo do Congresso da Une, botaram fogo na sede, tinham a Lei de Segurança Nacional! Além disso, o Brasil tinha uma população menor, menos de 100 milhões de pessoas (hoje estamos no dobro...), nem era uma sociedade tão urbanizada assim  - sabemos que, para citadinos ao menos, uma indigesta verdade é que o que se passa no mundo rural tende a ser mais fácil de ignorar.

Hoje - desde fins da década de 1970 na verdade - pulula a questão GLBTT (legitimando suas causas aos poucos), o tema do aborto, do multiculturalismo, da diversidade étnica e religiosa...questões de minorias nem por isso menores! Até direitos sobre biografia, propriedade intelectual e artística estão sendo revistos. Em todos os casos com argumentos progressistas e outros retrógrados. E aí o pessoal cita o "lado negro da força" dizendo "Nem na Ditadura tiveram a coragem de...". Ora ora...

 Numa sociedade democrático-liberal - teoricamente ao menos - assiste-se ao debate e confronto permanente de ideias, projetos, concepções de existência. Direita, esquerda, centro, os extremos tendem a ser marginalizados. O cidadão médio é um eclético político. Há ainda (in)felizmente uma escalada na "judicialização da vida", uma espécie de sociedade litigiosa em que tudo pode virar assunto de "justiça" e de (sempre novamente) adiados julgamentos. Normal, se pensarmos que a disputa judiciária é um prolongamento da disputa política ou militar (e vice-versa). Fazemos política o tempo todo, taí uma verdade dificilmente (só pra não dizer categoricamente...mas acabo de dizê-lo...) contestável [Aristóteles, rest in peace]. Lembremos ainda que os ditadores como Getúlio e os presidentes militares se diziam defensores da democracia contra o "perigo vermelho". Logo, Ditadura é uma acusação e um conceito (legítimo!) da oposição.

A frase do título do post é ambígua e tende a tornar o passado estático (como se já soubessem na época o final dele), ou como se todos no período tivessem a consciência plena de viver sob um regime ditatorial, quando é da astúcia do político dissimular suas intenções e quem é de verdade... Inclusive não vemos nostálgicos dela? "Naquele tempo pelo menos tinha mais ordem, menos corrupção...a educação pública era melhor (!)...[prosseguem os suspiros melancólicos]". Quem nunca ouviu isso?

Compreensível, uma sociedade militarizada dá a falsa sensação de ordem e de incorruptibilidade, de moralidade pública, exatamente na mesma proporção da ausência de transparência, de diálogo (uma ditadura está mais para um monólogo) e de rápidas decisões, ao contrário dos processos democráticos sempre necessariamente lentos...e não raro abrindo caminho à impunidade, é forçoso admitir. Exatamente porque você não pode reclamar parece que não tem reivindicações...soa tudo bem!

Acho, só acho que o pessoal do Clube Militar deve adorar quando ouve a tal frase "Nem na Ditadura fizeram isso...". Percebem algo como "não eram tão ditadores assim...", deve dar até certa inveja do Cabral! Ou servir de colírio para a memória...Na falta, um Black Tie resolve.

"Nem na Ditadura"... nem na Ditadura eles se assumiam ditadores! Eram salvadores da democracia ora essa.

Walter Andrade

19 de setembro de 2013

Pizzas, ratos e Coca-Cola


Walt Disney e Coca-Cola: dois símbolos da cultura dos USA. Imagine o Mickey Mouse bebendo Coca-Cola. Imaginou? Agora imagine a cabeça do Mickey dentro da garrafa de Coca! Isso nada tem de Tio Sam! Absurdos como esse são reservados para uma geração Coca-Cola de terceiro mundo!
O caso do consumidor que contraiu graves problemas de saúde após ingerir o refrigerante de uma garrafa que continha pedaços de rato, recentemente divulgado na grande mass media, gera indignação geral e doses de humor negro (humor caramelo IV, para ser mais exato!); mas a piada é, também, uma forma de protesto. Um tratado filosófico não geraria a mesma comoção que um meme nesses tempos de internet. A mensagem, por incrível que pareça, pode dizer tanto mais quanto menos palavras utilize.
Por falar nisso, quem acompanhou a maratona no STF pode notar a prática dos discursos herméticos. Um palavrório arcaico e recheado de latim. E teve ministro gastando o seu latim em votos de duas horas para dizer o que todo mundo entenderia com uma simples frase: tudo acabará em pizza no julgamento do mensalão! E pizza, sabemos muito bem, faz boquinha pra Coca-Cola. Os ratos, dessa vez, do lado de fora da garrafa!


Bruno Silva

14 de agosto de 2013

Meu evangelho particular





The promised child
Shines in a baby's eyes
All nations sing 
Let's harmonize all around the world
(Michael Jackson - History)


Evangelho, sabe-o até o mais empedernido rival do cristianismo, significa "Boas-novas": narrativas religiosas que dão notícias do advento de Jesus para a salvação da humanidade. Outra característica do Evangelho diz respeito às diversas profecias anunciadoras do messias.
No meu evangelho particular eu falo da vinda de uma outra criança (sem estrela, presentes e reis magos), sem escritos anteriores que nos antecipassem sua chegada redentora: minha filha Marina!
"E sucedeu por aqueles dias que, tendo percorrido quanto alfarrábio conhecesse, nada pode encontrar que lhe dissesse claramente, ou mesmo insinuasse, a chegada da criança que mudaria para sempre e para melhor a sua vida, bem como a de sua esposa. Foi no inverno de 2013. Para seu pai, pessimista contumaz, ela veio trazendo a nova verdade da existência: você tem sorte e tudo vai dar certo.O começo desse aprendizado foi um choro compartido: o de Marina, marcando sua própria vinda à luz; o de seu pai, um pranto de felicidade, alívio e recomeço. Outra vez haveriam de chorar juntos, numa sala de clínica. Marina veio para ensinar o novo conhecimento necessário; como contar de um a cinco dedos... quatro vezes; como se manter acordado, noite após noite, decifrando sons recém-nascidos, trocando o sono de um pelo de outro.
Todas essas coisas lhes são relatadas para que creiam que um homem pode, sim, nascer de novo.  E todos quantos a virem saberão que essas são palavras verdadeiras. Amém."

Bruno Silva

24 de julho de 2013

A Poesia devassa a Política

Há uma Violência Normal
Monopólio Legítimo Estatal,
é Natural a Pena Capital aos deserdados do mundo,
As fichas de Delinquência "juvenil" que tombam (Amarildos?) no chão
do Purismo da Vida como Imaculada Duração

Armas Químicas encenam uma guerra duplamente biológica
Lacrimogêneos, Bombas de Efeito mais-que-moral, Spray de Pimenta
nos olhos alheios como Refresco.

GUERRA CIVIL
PACIFISMO gera MILITARISMO...


[Ah!] Só o Amor (à Mammon) Constroi!
Obrigado pela Solidariedade (aos Ricos & Segurados)

Brindemos ao Socialismo das Classes Meio-Altas!


(Nas seguintes noites gélidas os mendigos do Leblon agradeceriam a um
Deus Silencioso a Moda Outono-Inverno da Empresa Saqueada, parecendo-lhes
Providencial a Frente Fria tardia em Julho)


Espionagem interna, inimigo à paisana, Sabá de Estados Policiarescos
Decretos inconstitucionais de aprendizes histéricos de ditadores nostálgicos
Comissões de inquirição de pequenos delitos incitados para salvar o Mal Maior...
Mídia monopolista que entrevista desinformantes,
manuseada proto-oficialmente por editores-chefe imparciais na defesa do status quo...




E assim, por meio dos meios da disparidade,
se reproduz incessante o Milagre da NORMANIMALIDADE.



Walter Andrade

21 de julho de 2013

Poema Gullar





Encho um copo com Whisky de Morais
Atiro-me no sofá Drummond de minha sala ampla:
Eu vou escrever um poema Gullar

Procuro, em minha Bandeira infância
Algum fragmento de Pessoa
Uma Quintana de inspiração qualquer

Nada vem, de abstrato ou concreto
Nada vem
Nada v
Em
N
A
D
A
Nada



















Reverbera, no fundo de meus ouvidos, 
Aquela sonoridade Jobim
Se nada funciona por aqui
Pego hoje mesmo um avião
E mudo-me para  Hollanda


Bruno Silva

19 de junho de 2013

Fora do campo, no meio das ruas



Entre o Redentor e a Igreja da Penha iluminada
Chego na Ilha do Governador
Como a avenida Brasil é grande, meu Deus!
Estou entre dois símbolos piedosos
E meus iguais, a esta hora, marcham nas ruas
Há um rio de refresco correndo pelo país:
Pimenta nos olhos
"Em meio a tantos gases lacrimogênios..."
Penso na multidão anônima dos que, de joelhos, subiram os degraus da ermida
Eis que, agora, outros sobem de pé a escadaria da Alerj,
O Congresso Nacional,
E tantos outros lugares aos quais, de ônibus, jamais alcançaríamos.

Bruno Silva



13 de junho de 2013

Na pista contra o negócio



Vândalos era o nome de um povo germano que por ter invadido o Império Romano (como outros tantos povos germanos à época) tornou-se termo pejorativo (somos herdeiros da cultura greco-romana né). Mas ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão (afinal os territórios romanos eram conquistados à outros povos também...). E é no fundo linguístico e além dele que essa romanidade receia ter seu domínio contestado pela "plebe" nas ruas brasileiras (o Rio já foi chamado de A Nova Roma séculos atrás).

O vândalo agora é inimigo interno (?). Intifada nas ruas contra a ação repressora policial e reclama-se que os "manifestantes não respeitaram o patrimônio histórico", ora, querem que "gases lacrimogêneos fiquem calmos..." fora da canção! (que nem são estritamente armas não-letais, como spray de pimenta também não...), no meio da fumaça, do medo, da correria: "Por favor: mirem bem! olha a Igreja aí...". Eu, que sempre fui meio iconoclasta, considero essa proliferação de lugares de memória, de tombamento de patrimônios históricos (para que nunca tombem!) um excesso memorial que tende a fixar a ideia de conservação de tal modo que as pessoas se sintam museólogas em tudo. E o receio dos governos, da mídia, das classes altas, é de que o povo brasileiro, sempre historicamente demasiado pacífico, ordeiro, quieto...acorde de vez, deponha-os de seus lugares cativos, de sua corrupção, tirem-nos de baixo do tapete vermelho dos gabinetes onipotentes, excluídos de suas dignidades ímpares e (logo) hierárquicas. Manifestação na Turquia tudo bem, no Egito que lindo, mas no Brasil? "Arruaceiros, vândalos!".

Saiu no O Globo (!) que 37 milhões de brasileiros não têm dinheiro para o transporte público [atentem mil vezes a esta palavra]. Depois no noticiário noturno (onde não reproduzem esta matéria...) fala-se que as manifestações impedem o "direito de ir e vir". Ora, as manifestações são justamente pelo direito de ir e vir (e de se manifestar indo e vindo)!. Estamos falando de um (des)serviço prestado à população por um cartel de empresas (nalguns casos de empreiteiras, como das Barcas S.A!), caríssimo (com aumentos regulares e bem acima da inflação), com poucos coletivos na madrugada, com o ônibus que passa direto e te deixa na pista.

E na pista ficaremos, mas não mais esbravejando sozinhos como o Muttley (o cachorro do Dick Vigarista, lembram-se?), porém em comunhão, afinal, como greco-romanos que afinal somos, sabemos que o homem é um animal social, político, ritual, que ri...mas que também reage.

Walter Andrade

9 de junho de 2013

Falecido conto do vigário, conto do Vigário falecido, sei lá...

Foto tirada no São João Batista. Cristo Redentor ao fundo. 
Morar na área nobre do Rio não é nada barato, como já sabemos. Ter o direito de dividir espaço com as amendoeiras, na Zona Sul,não é para qualquer mortal. Nada de surpreendente nisso. Agora, fui tomar conhecimento de que a vizinhança com as raízes do gramado também não é para qualquer defunto: o preço de um jazigo perpétuo no São João Batista - em Botafogo -pode chegar à vultuosa quantia de 300 mil reais!
Assustou? Então imagina isso: seus ossos descansando aristocraticamente no cemitério carioca e, de repente, não mais que de repente, para citar Vinícius de Moraes (que aliás jaz no São João Batista, assim como Tom Jobim, Drummond e tantos outros), sendo exumados sem autorização da família, indo parar sabe-se lá em qual cemitério! Foi o golpe de que tomei conhecimento assistindo ao noticiário da Record: um corretor que vendia o mesmo jazigo para várias pessoas; isto sem a autorização legítima dos antigos proprietários, num esquema de exumação fraudulenta.
 É o velho golpe do conto do Vigário, com o requinte macabro de estar associado à venda de tumbas! Nunca foi tão difícil viver, morrer e continuar morto aqui na boa sociedade carioca!

Para quem quiser ver a reportagem: http://noticias.r7.com/jornal-da-record/videos/edicao/?idmedia=51afdf860cf26f34e0263af5

Bruno Silva

16 de maio de 2013

Desculpe incomodar sua viagem

O sujeito entra no ônibus e permanece de pé, fitando os passageiros. Depois de uma breve pausa, começa a falar:
- Boa tarde, senhores passageiros! Desculpe incomodar o sossego da sua viagem. Eu sou ex-presidiário, paguei meu débito com a sociedade e estou aqui para saber se algum dos senhores pode me abençoar com uma oportunidade. Muitas vezes o ex-presidiário volta a cometer crimes, a roubar, porque a sociedade não lhe dá outra oportunidade. Eu estou aqui para pedir esta oportunidade para os senhores. Quem puder estar me abençoando com qualquer quantia, que Deus o abençoe. Aqueles que não tiverem como ajudar, que Deus abençoe também. Esse dinheiro, senhores passageiros, será para comprar balas e doces para vender nos ônibus, podendo, assim, levar o sustento para minha família sem precisar voltar ao mundo do crime. Eu nunca mais quero roubar! Obrigado senhores passageiros!
O sujeito começa a percorrer o corredor do ônibus. Alguns passageiros fingem estar dormindo (que é a maneira que muitos encontram para escapar a essas e outras situações cotidianas nos ônibus -sobretudo para não ceder o assento a quem de direito!), outros fixam o olhar pela janela. Alguns entregam moedas.
O sujeito recolhe tudo, agradecido, e põe-se novamente de pé, de costas para o motorista. Ele conta o montante e desabafa:
-Dez reais e quarenta e cinco centavos!... senhores passageiros, a passagem custa dois e setenta e cinco. Vai me sobrar sete reais e pouco! Deus e os senhores são testemunhas de que estou aqui me humilhando para conseguir o meu sustento, mas muitos de vocês endurecem o coração quando veem alguém necessitando de ajuda. Peço desculpas aos que contribuíram, mas eu agora vou assaltá-los! Não quiseram me dar, então eu tomo! 
O sujeito saca um revólver da cintura enquanto anuncia o roubo. Ele recolhe o dinheiro de todos, os celulares, relógios, jóias e até alianças de casamento! Ao final, informa que aquilo foi provocado por eles mesmos, que não souberam ser generosos. Manda o motorista abrir a porta e, para surpresa geral, paga a passagem antes de descer.
Os passageiros, atônitos, custam a acreditar que aquilo lhes sucedeu. O irreal do acontecimento parece informar que tudo se trata de um pesadelo coletivo, do qual acordarão antes do ponto final. Mas nós sabemos que isso não acontecerá. Eles continuarão dormindo. Todos continuaremos a dormir. Estamos no país do sono. Até quando?

Bruno Silva

7 de maio de 2013

As Guerras das Coreias

É isto a animalização do homem, parece gado abatido. Eu não gozo com isso...


A preocupação das últimas semanas com a possibilidade de uma guerra nuclear (finalmente, diriam os de humor negríssimo!) entre a Coreia do Norte e os E.U.A cedeu lugar na semana em que vivenciamos à descoberta da geopolítica na Coreia do Oeste. É, fica ali, no Extremo-Oriente, próximo a Bangu. Só que o caso não abalou só Bangu, mas a opinião pública carioca como um todo. As pessoas em sua maioria estão indignadas! E com a Globo, vejam vocês, só que pelo motivo errado (ou desumano). Muito me intriga as (des)razões escusas da emissora ao transmitir tais imagens, aliado a um frenesi da violência real mas que, com aquela câmera térmica, mais parece uma sorte de GTA: Rio. Gerações viciadas em videogame, filmes violentos e lutas de boxe (e agora de UFC) parecem não entender que aí se trata de ficção ou violência controlada por regras e um juiz mais foda que os oponentes muitas vezes. É de perguntar se essa cultura da imagem desrealizou esse pessoal, que ficaram imersos num mundo fantástico onde não se precisa crer em eternidade da alma pois a salvação dos corpos se encontra a um clique de restart (sem salpicar a tela de sangue real, sem a dor da morte, cadáveres em decomposição com odor fétido, sem ter a vida real interrompida por uma bala perdida). Essa é a visão da classe média, mediana, midiática, medíocre, sobre a realidade.


Naquelas brincadeiras matemáticas em que se falava da morte de milhares de chineses, cambojanos, vietnamitas...poucos conseguiam evitar o riso sádico de que não fazia diferença (são bilhões afinal!) que mal escondia uma implícita hierarquia na ordem das vidas humanas. E hoje a vida de um coreano nunca valeu tão pouco!

Walter Andrade

16 de abril de 2013

Maioridade penal no Brasil?

Maioridade penal no Brasil é questão para debates acalorados. Toque no assunto quando estiver em uma mesa de bar com seus amigos e lá se vai a noite por água abaixo! Periga até sair briga no boteco, com polícia convocada e todo mundo indo parar na cadeia (pense bem: um bando de marmanjos em plena maioridade penal trocando tapas quando os argumentos já não bastam).
Existem algumas formas distintas e talvez complementares de se enxergar o problema. Em primeiro lugar: o que fez e continua fazendo com que a juventude ponha uma pistola (real ou de brinquedo) na mão e saia para o ganho nas ruas? Em algum momento, parece, alguém não cumpriu seu papel (pais, Estado, etc.). Podemos nos perguntar o porquê dessa omissão, e o texto não acabaria mais. Peço vênia para deixar esta questão para ser resolvida em momento apropriado. Encarar o problema dessa forma pode parecer ideológico, demonizador do Estado e vitimizador do delinquente. É aquela velha história: "conheço uma pessoa que catava latinhas e hoje é empresário", "pessoas de bem sempre encontram uma maneira honesta de ganhar a vida", etc. Afastemo-nos desta discussão, tomemos um gole e pensemos no concreto da situação. Assim, chegamos a uma segunda forma de se abordar o problema: deixando de lado a "querela da culpa", podemos analisar mais de perto a proposta de "solução do problema". O sistema prisional no Brasil (e no mundo) reúne as características desejadas para fornecer uma solução definitiva? O que há de terapêutico em se deixar um ser humano trancado num ambiente de falência da moral e dignidade por, digamos, 12 anos? Antes, portanto, de se decidir com quantos anos mandar alguém para a prisão, pensemos na própria prisão em si: funciona, corrige, "reabilita"? Vigiar e punir é um livro que ajuda a pensar na questão. Não adianta assistir ao Tropa de Elite, porque as conclusões lá apresentadas sobre Foucault, sinceramente, até me dão vontade de pedir pra sair!

Bruno Silva

8 de abril de 2013

Nonsense com 40 anos de Dark Side

Storm Thorgerson (Storm Studios)(c) Pink Floyd (1987) Ltd/Pink Floyd Music Ltd.
O histórico álbum Dark Side of The Moon completou recentemente 40 anos.

De 24 de março 1973 até hoje foram vendidas mais de 50 milhões de cópias do disco,
que trata das loucuras modernas, como o tempo, dinheiro, esquizofrenia, vida e morte.
E o triângulo simboliza a ambição e o pensamento.

 


O branco assusta. E a despeito da (cons)ciência de sua cobertura das cores outras. Do prisma floydiano. Mas o branco, se absorve, também oprime. Se é folha para a escrita, afugenta-a. Lugar para a inscrição da memória? amnésia. Traz-nos a sensação própria do vazio, que se transporta ou vincula ao nosso e do mundo, criando ligações angustiantes. Até que se a preencha com o possível, é o provável que sofre, o potencial que não se atualiza, o brilhantismo que queda na promessa. O branco, sinônimo do puro, limpo e imaculado, é, por força disto, superfície sujável por excelência, é o preto no branco. No fim das contas (ou das metáforas!) é a nota preta que vale, se bem que no fim só vale o crido, e mesmo sem tê-lo visto.

Estranho que do ponto de vista das cores seja o branco que simbolize o racismo! Ainda mais que os "brancos" mais com a cor dos botos se parecem... óh, onde sonham as formigas verdes?

Ou, como diria Humberto Gessinger...

"Nem todo nonsense faz sentido
 Nem todo sentido faz falta
 Nem toda falta de sentido é sentida"

Ou como uma segunda voz dos soldados respondendo à do comandante militar

"Não faz...SENTIDO!"                        

Talvez nem este post...



Walter Andrade

21 de fevereiro de 2013

Fevereiros idos

Sempre que chovia em fevereiro parecia que a natureza ofertava um imerecido carinho. De tanto sol, que também não se merecia, vinha um riachinho de pé abençoar os bichos e as plantas. Chovendinho. Naquele não choveu, não. Era o sol, como uma rodela de abacaxi sobre o triste povo nosso. O caminho de barro malsão, dava o tempo de empapar os corpos, de grudar as vestes e, de repente, lufada de poeira. Era uma raiva e uma tristeza, tudo junto. Triste travessia nos fevereiros idos! Chuva não dava sinal, e quando viesse era mais para desespero e desalojo.
Tinha urubuzal no alto, devia de ser res morta. Não era. Cheiro paposo, daqueles que os lixos e os mortos dão, depois de envelhecidos. Eram os idos de fevereiros. Tempo melhor há de vir, sem dar aviso. Aí vai ser uma fartura de chuva prazenteira, muito bem-te-vi de dia e noturnos grilos. Esses dias chegarão? Gregas calendas...

Bruno Silva